— Meritíssimo, o que estou querendo dizer é
que, minha cliente não estava em posse de suas plenas faculdades mentais e,
portanto, não consentiu que o senhor Watson a levasse para casa e depois
cobrasse esse favor com sexo.
— Isso é um absurdo! Acha que eu forcei essa
vadia? — Levantei a sobrancelha esquerda olhando para o homem sentado no banco
dos réus.
— Senhor Denvs, controle seu cliente ou serei
obrigado a retirá-lo da sala.
— Prossiga, senhorita Stacey.
— Minha cliente só quer ser ressarcida por
toda humilhação e constrangimento que este senhor — apontei para o dito cujo —
causou, pois além de forçá-la ao ato sexual, ele contou o feito e se gabou para
os amigos, como foi confirmado pela testemunha Charles Salmazi.
— Mais alguma coisa a acrescentar, senhorita
Stacey?
— Não senhor, meritíssimo.
— Alguma objeção, Senhor Denvs...
— Mais nada a declarar, meritíssimo, só que
meu cliente é um homem bem apessoado, como o senhor mesmo pode ver. Ele não
precisaria forçar uma mulher a realizar seus desejos.
— Isso não está em questão, Senhor Denvs.
Faremos um recesso de trinta minutos. Enquanto isso o júri terá tempo de
confrontar a provas e os depoimentos e chegar a um consenso.
[...]
— (...) condena o réu, Claiton Watson, a seis
anos de reclusão em regime fechado, sem direito a recurso pelo crime de
violência contra a mulher e estupro, e ao pagamento da indenização de trinta
mil dólares por difamação e constrangimento causado à senhorita Judite Bazac.
[...]
Saí do fórum e os vários pontinhos brilhantes
nublaram minha visão. O sol estava escaldante, e a claridade dele, juntamente
com o flash das câmeras, me cegaram momentaneamente.
Quando peguei o caso de Judite Bazac, tinha
uma vaga ideia do que isso causaria à mídia.
Os Bazac se enquadravam no nível rico e
influente do país. Judite era a mimadinha e caçula da família. Aparecia
constantemente nas capas de revistas como protagonista de vexames dignos da
indústria cinematográfica. Todos aguardavam por um escândalo como esse. Só esperava
que agora ela aprendesse que, beber como um gambá e tentar transar com um cara
desconhecido não dava certo.
Desviei-me da multidão de fotógrafos e
repórteres e segui para onde meu carro, um SUV Urus da Lamborghini, estava
estacionado.
Deixei o carro na minha vaga do prédio e
peguei o elevador, me lembrando de passar pela portaria e pegar a
correspondência.
Tirei os sapatos no corredor e me equilibrei
segurando-os enquanto procurava a chave dentro da maxi bolsa.
— Te vi hoje na TV. – Minha vizinha oxigenada
e peituda me abordou quando eu colocava a chave na fechadura.
— Aham.
— E você condenou Claiton.
— Não condenei ninguém, eu só estava lá
defendendo a senhorita Bazac.
— Mas agora Claiton está preso. – Olhei-a
desconfiada e quase ri do que encontrei.
— Você era uma das vítimas dele?
— Se quer saber se ele me estuprou, a resposta
é não. Ele nunca fez isso. — Abri a porta e joguei as coisas do lado de dentro.
— Eu sei que você não quer um conselho, mas
mesmo assim eu vou dar, Mary. Livre-se desses homens com cara de bad boy. Você
não vai conseguir mudá-los, e vai acabar como a Judite, só que sem os trinta
mil e, consequentemente, sem um tostão para pagar a psicóloga que deveria
tratar do seu trauma.
— Mas...
— Outro conselho. Feche as pernas e saia
menos.
Bati a porta na cara dela, e soltei os cabelos
que estavam presos em um coque. Sentia minha pele pegajosa de suor. Acho que
não fazia tanto calor em Sacramento desde... Nunca. Ultimamente a Califórnia
tinha apresentado as temperaturas mais altas dos últimos anos. Quem sofria com
isso era eu. Alguns culpavam o aquecimento global, mas havia aqueles que
alegavam que a Terra estava esfriando. Quem era eu para discordar, não? Não
gostava de pensar sobre isso. Tinha feito Direito para não me preocupar com Biologia.
Entrei debaixo do jato de água fria e peguei o
frasco do xampu, despejando o conteúdo diretamente nos fios. O cheiro de erva-doce
preencheu o banheiro. Era um calmante para o meu dia totalmente estressante.
Saí enrolada na toalha, deixando os respingos de água pelo caminho. Vesti uma
calcinha boxer e uma blusinha do pijama, peguei o telefone e disquei um número
bem conhecido.
— Pizzaria La Tratoria, boa noite.
— Oi, Daniella!
— Julliet! Achei que não ligaria hoje.
— E eu vou me alimentar com o quê, se não
ligar?
— Que meu chefe não me escute, mas você
deveria arrumar comida de verdade antes que isso te mate.
— Relaxe, Daniella. Eu me exercito. Só não sei
fazer qualquer tipo de comida caseira.
— Se você não cozinha, arrume alguém que
cozinhe!
— Não vou contestar, Daniella. Mas enquanto eu
não tenho alguém para cozinhar, vou me contentar com uma pizza de calabresa
brasileira.
— Okay. Tamanho grande?
— Isso mesmo.
— Em até uma hora o John chega aí.
— Certo. Obrigada, Daniella. Boa noite.
— Até mais. Ah! Não se esqueça de atender a
porta vestida. Da última vez, o John passou uma hora dentro do banheiro depois
de ter visto você de calcinha. – Despedi-me gargalhando. Fazer o quê? Eu acho
que gosto de ver a reação dos homens.
Coloquei o telefone no gancho e peguei o
interfone para avisar ao porteiro da vinda do entregador.
Apanhei os guardanapos, a taça e a garrafa de
vinho-tinto, e coloquei-os na mesinha de canto na sala de TV. A campainha tocou
e eu corri para vestir um robe.
— Boa noite, John. — Sorri pegando a caixa da
pizza e entregando o dinheiro. — Pode ficar com o troco. — Ia fechando a porta
quando ele me chamou.
— Nenhum agradinho, Jullie?
— Não, nenhum agradinho! Tá maluco? Aquilo foi
um acidente, John. – Olhei para o rosto novinho, ele devia ter o quê?! Quinze
anos?
— Mas é que...
— ‘Mas’ nada. Vá para casa, John, encontre
alguém da sua idade para acalmar esses seus hormônios. Boa noite.
Conectei o pen drive na televisão. Liguei-a,
selecionei o filme e sentei-me confortavelmente no sofá de trezentos dólares
que eu havia comprado há poucos dias. Eu tinha a péssima mania de comer
assistindo TV. Hábito adquirido por morar sozinha. Às vezes, achava que o
eletrônico me fazia companhia.
Quando os olhos azuis acinzentados da Renée
Zellweger apareceram eu senti a mesma emoção de quando assisti a Chicago pela
primeira vez. Era o meu filme favorito, eu sabia todas as falas, canções e
expressões de cor. A atuação da Catherine não estava lá àquelas coisas, mas o
filme era bom. Um dia assistiria ao musical na Broadway.
Cinco taças de vinho e nove pedaços de pizza
depois, o filme tinha acabado. E eu estava pronta para ler toda a
correspondência.
A maioria era de contas a pagar. Anúncios e
promoções do cartão de crédito... Embaixo de toda a papelada inútil, havia uma
caixa embalada cuidadosamente. Do lado de fora, duas palavras escritas em
letras delicadas e douradas: Julliet Stacey. Abri o embrulho e não fiquei nem
um pouco surpresa ao ler os dizeres:
Lana Stacey Cullen & Dimitri Binder
Solicitam sua presença em seu casamento
A ser realizado no sábado, vinte e quatro de
agosto
De 2013
Às seis horas da tarde
No salão do Beverly Wilshire
Na
parte de cima do convite havia uma orquídea branca, e olhando mais de perto, eu
notei um papel dobrado grudado a ela.
“Vai ser
minha madrinha, está lembrada priminha?!
Quero
você aqui em até dois dias, contando com a data da entrega...
Então
se apresse. XOXO.”
Quais
as chances da sua prima idiota e metida lhe convidar, convidar não... intimar a
ser madrinha do casamento dela?! Muitas. Mas eu não contava que ela teria a
cara de pau de fazer isso.
Depois
da notícia irritante, eu decidi ir dormir. O vinho já havia cumprido seu
propósito, e o sono, me abatido com força total. Só esperava não ter pesadelos
com cabelos ruivos e olhos castanhos.
[...]
— Senhor Murtter, é só por um mês e meio. Eu
preciso ver minha família e ajudar nos preparativos do casamento.
— Julliet! Você acabou de ganhar um dos
maiores casos da sua carreira. O escritório está a mil com isso. Não pode
abandonar tudo por causa de um casamento.
— Eu tenho férias atrasadas, senhor Murtter.
São exatamente nove meses de férias atrasadas. Estou cobrando só um mês e meio
delas! Será que é tão difícil assim me liberar?
— É! Você é a advogada mais promissora deste
escritório. Não posso soltá-la assim!
— Me dê os casos. Eu os estudo de Los Angeles
e converso com os clientes por vídeo conferência. Eu só preciso viajar para LA!
Ele respirou fundo e sua careca lustrosa
brilhou contra a luz. Senhor Murtter era um bom homem. Um dos melhores
advogados do país. O problema dele era o vício por carne vermelha, e a mania de
não dar férias para seus funcionários.
— Tudo bem – quase o beijei. — Mas quero minha
advogada de volta até setembro.
— Muito obrigada, senhor Murtter! Fico lhe
devendo essa... — Estava saindo da sala. — Ou melhor, não lhe devo, não — sorri
esperta. — Desconte das minhas férias atrasadas. — Ele balançou a cabeça,
derrotado, mas quando se virou para mim, estava sorrindo.
Reservei o voo de uma hora da tarde. Chegaria
a LA às duas horas e vinte minutos, aproximadamente. Arrumei duas malas, mais a
bagagem de mão. A caminho do aeroporto, liguei para a locadora de carros e já
deixei um carro igual ao meu alugado. Ele seria levado para o aeroporto, para que
eu pudesse usá-lo no momento em que chegasse.
No caminho tentei não pensar muito no que me
esperava.
Ter uma família grande nunca foi bom. Meus
avós, que não possuíam televisão quando eram mais jovens, tiveram sete filhos.
Ainda não sei como conseguiram alimentar tantas bocas e ainda assim, se
tornarem donos de um dos maiores bancos da Califórnia. É. Eu vinha de uma
família abastada.
Meus tios Garret, Paolo, Samuel e Noel
assumiram os negócios da família, e também o legado dos meus avós. Cada um teve
quatro filhos. Bruno, Rayssa, Leonardo e Raphael, filhos do tio Garret com sua
esposa Melissa. Laysa, Kaike, Gabriel e Morgana, filhos do tio Paolo e tia
Paulina. Antes que questionem, os nomes são esses mesmos, e já foram
protagonistas de várias piadas do tio Noel. Por falar nele, seus filhos são Anderson,
Miguel, Ari e Marcus; sua esposa, tia Flora, está esperando o quinto. Thomas,
Gustav, Penelope e Mariana são filhos do tio Samuel e da tia Marisa.
Minhas tias, Clarisse e Isabelle, foram com
menos cede ao pote. Tia Clarisse tem três, Valeria, Victoria e Valesca,
trigêmeas doidas e hiperativas que deixam toda a família de cabelos em pé,
principalmente seu pai, tio Jorge. Tia Isabelle se casou grávida, não que isso
fosse grande coisa, mas ela foi forçada a casar com tio Edward, e bom... A Lana
nasceu. Dez anos depois eles se separaram e, agora, Tia Isa está de caso com um
milionário quarentão que sustenta seus caprichos.
Minha mãe e meu pai também resolveram ter só
uma filha. Eu! Não estou reclamando. Ter vinte primos supre toda a necessidade
de possuir irmãos. Principalmente se você tem uma prima que cumpre seu papel de
irmã chata e irritante.
Lana e eu temos a mesma idade, fazemos
aniversário no mesmo dia e sempre disputamos a atenção da família. Na verdade,
ela disputava enquanto eu ficava observando seus shows. Ela tentava ser a
melhor em tudo. Admito, seu corpo era muito mais bonito que o meu, e os garotos
cortavam um braço fora para ter um tempo com ela. Já eu, sempre fui mais
modesta no quesito corpo. Coisa que eu fiz de tudo para mudar quando saí da
casa dos meus pais. Dieta rígida e academia todos os dias da semana fazem
maravilhas. Agora os caras também fazem fila para ficar comigo, e eu não acho a
menor graça. Inteligência nunca foi seu forte, acho que se ela quisesse poderia
ser muito mais interessante, mas Lana prefere pagar de burra e ser a desejada.
Perder a virgindade com ela por perto foi um
desafio. Para isso acontecer, tive que sair da cidade e ir para a universidade.
Lá os caras não conheciam minha priminha perfeita, e bom... A diversidade era
enorme.
Meu primeiro beijo... Eu não lembro muito.
Excluí essa lembrança depois de ser enganada naquela brincadeira sete minutos
no paraíso. Foi uma experiência traumática. O garoto não sabia o que fazer, e a
única coisa que o salvara foi o cheiro maravilhoso de chocolate e vinho. Não
sei como ele conseguiu o último, afinal tínhamos apenas treze anos, mas pelo
menos isso não foi infeliz.
Depois de todas as picuinhas, discussões e,
infelizmente, agressões entre Lana e eu, decidimos dar um tempo de nossas
caras. Fazia quase um ano que não nos víamos. Ela estava viajando pelo mundo
com seu noivo podre de rico, Dimitri Binder. Só lamento por ele, conviver com
ela deve ser um verdadeiro tormento.
Mal percebi quando o avião pousou. Logo peguei
minhas malas e levei-as para o carro estacionado em frente ao aeroporto. Um
funcionário da empresa estava ao lado dele, segurando o contrato para eu
assinar. Pouco mais de cinco minutos depois, eu já estava na Sunset Boulevard,
seguindo para a casa dos meus avós. Toda a família, ou pelo menos a maior parte
dela, ainda morava na mesma casa. Uma mansão centenária com quase trinta
quartos. Só com muitos quartos para abrigar tanta gente. Apenas tio Samuel, tio
Garret, os mais velhos, e tia Isabelle, não viviam lá.
Parei em frente aos grandes portões de ferro
negro, e abaixei o vidro do carro para apertar o interfone.
— Pois não?!
— Sou eu, Jeremy!
— Senhorita Stacey!
— Espero que saiba qual Stacey é, Jeremy.
— Claro que sei, senhorita Julliet.
— Bom mesmo. Agora, será que pode abrir o
portão para mim?
— Oh, claro! Mil desculpas.
— Tudo bem, Jeremy.
Ouvi o clique habitual do interfone e, de
repente, o portão se abriu. A mansão continuava a mesma. Minha avó gostava de
preservar sua arquitetura, nunca havia feito alguma reforma que não fossem
reparos. A casa era igual à época em que meus bisavós ainda eram vivos. Os
tijolinhos vermelhos que construíam a fachada ainda estavam lá, e ainda tinham
uma marca do dia em que Lana me empurrou ali. Eu arranquei uma lasca do tijolo
e levei cinco pontos na testa.
O jardim estava muito bem cuidado, e bem no
fundo, eu podia ver a estufa de minha avó. Podia ver os carros da minha família
espalhados pelo pátio. A maioria já estava lá. Parei o carro em uma pequena
sombra de coqueiro e desci, deixando para me preocupar com as malas depois.
— Senhora Stacey! Sua neta chegou! — Ouvi
Jeremy chamando minha avó, e quando percebi, estava sendo abraçada pelo furacão
Matilde.
— Jullie! — Beijou-me nas bochechas e depois
levantou meu rosto me olhando atentamente. — A senhorita não anda comendo bem,
não é?! — Abaixei os olhos, envergonhada, ela sempre me pegava. — Eu não
acredito, Julliet Stacey! Se tivesse me escutado e aprendido a cozinhar quando
era mais nova, não estaria passando fome e comendo essas porcarias que vendem
por aí.
— Eu como bem, vó. Para manter esse corpinho
tenho que me alimentar direito! É só à noite que eu não me preocupo muito com
isso.
— Pois deveria se preocupar. — Puxou-me em
direção à cozinha. — Venha. Acabei de fazer alguns croissants com recheio de
calabresa e muzzarela.
Sentei-me em um dos bancos que ficavam de
frente à bancada da cozinha, olhando atentamente minha avó bailar pelo cômodo
enorme, e colocar uma travessa com os salgados à minha frente.
— Hum... Tinha me esquecido de que a senhora
gosta de me empanturrar de comida quando venho pra cá.
— Pare de falar e coma, menina. Precisa
aumentar esse quadril, se quiser se casar.
— Duvido que alguém tenha coragem de se casar
com uma vara pau como a Julliet, vó.
— Lana! Sua prima acabou de chegar e... –
Interrompi minha avó para responder Lana.
— Não se preocupe, Lana — sorri maldosa — se
tem um doido que queira se casar com uma vadia como você, com certeza tem um doido
que queira se casar com uma vara pau como eu – enfiei um croissant inteiro na
boca, e aguardei a bronca da minha avó.
— Vocês mal chegaram e já estão se
implicando?! Vocês já são adultas! Têm vinte e cinco anos, e continuam com essa
provocação...
Desliguei-me, e continuei comendo os
croissants. Fazia tempo que eu não provava das delícias da dona Matilde Stacey.
— Filha! Vincent! Nossa filha chegou. — Acordei
com minha mãe me abraçando e avaliando da cabeça aos pés. — Mãe, não acha que a
Julliet está muito magra?!
— Era o que estava dizendo a ela. Como ela
acha que vai arranjar um bom marido se não tem carne?
Escutei minha prima dar uma risadinha, mas
logo se calou quando minha avó lançou-lhe o famoso olhar que botava medo em
toda a família.
— Jullie! – meu pai apareceu pela porta dos
fundos e me levantou em seu colo como seu eu fosse uma criança. — Por que
demorou tanto para aparecer, filha?! Sua mãe estava me pondo louco! — gargalhou
com a piada, e minha mãe deu tapa leve em seu braço.
— Não seja indiscreto, Vin.
— Agora que já viram sua filha, deixem-na se
acomodar no quarto.
Passei por Lana e a empurrei com o ombro. Não
resisti em dar mais uma implicadinha com ela. Porém, ela me lançou um sorriso
irônico, o que me deixou preocupada com o que ela poderia estar aprontando.
— Jeremy já levou suas malas pro quarto, filha
— minha mãe me acompanhava enquanto caminhávamos pelo extenso corredor do
segundo andar.
— Ótimo! Estou precisando de um banho, esse
calor está me matando.
— Mas então... Me fala como anda sua vida em
Sacramento. E o trabalho?
— Tudo bem no trabalho. Ontem ganhei o maior
caso da minha carreira, até agora.
Entrei no quarto e notei que a empregada já
havia arrumado as roupas no closet. Havia duas camas de solteiro ali.
Provavelmente uma de minhas primas dormiria comigo. Peguei apenas um vestido
bem soltinho, por conta do calor que estava fazendo, e uma sandália rasteira.
Cheguei ao banheiro acompanhada da minha mãe. Ela sentou-se sobre a pedra do
lavatório, e eu entrei no box, fechando-o logo em seguida.
— Saber que você está feliz no seu trabalho é
ótimo, querida. Mas eu tenho medo.
— Medo de quê, mãe? De eu conseguir uma
promoção? — soltei uma risada, sendo seguida por ela.
— Não, claro que não! Seria maravilhoso você
ganhar uma promoção. Mas eu não gosto da ideia de você estar sozinha em uma
cidade que não tem nenhum conhecido por perto.
— Eu tenho vários conhecidos! — exclamei
ofendida.
— Um namorado?
— Eu não quero um namorado, estou bem assim. E
se eu tivesse um, a senhora seria a primeira a saber.
— Não tem nenhum mesmo? Sinto que você anda
muito sozinha. Posso até imaginar o que você faz todas as noites da semana.
— Ah é?! E o que eu faço?
— Pede pizza de calabresa brasileira, bebe
vinho e assisti Chicago.
Abri a porta do box e joguei a esponja nela,
que deu um gritinho.
— Não acredito que anda me espionando!
— Não a espionei, só apostei nisso porque era
o que você fazia quando ainda morava conosco.
— Droga, mãe! Por que a senhora tem que me
conhecer tanto?
— Porque eu sou sua mãe, garota! Você deveria
arrumar um namorado para te fazer companhia...
— Eu sei que a senhora está mexendo as
sobrancelhas daquele jeito estranho, hein!
— As coisas estão modernas hoje, filha, e eu
entendo.
— Não vai querer falar de sexo comigo, não é?!
Tivemos essa conversa quando eu tinha quinze, e ela não me serviu de nada.
— Como não serviu de nada?
— Mãe! A senhora me falou que o garoto iria
colocar o palitinho dele na minha rosquinha! — gargalhei tanto que quase
escorreguei no piso molhado.
— Que é isso, filha! Eu tentei te ajudar. Não
sabia como conversar com você. Mas agora que você é uma mulher, queria te
perguntar umas coisinhas...
— Que coisinhas?
Saí do box e me enrolei na toalha branca que
estava dependurada no apoio.
— Sabe... Eu quero fazer uma surpresa para o
seu pai. Uma noite só nossa e...
— Para.
— O quê?
— Eu não quero saber como fui feita. Só compre
algumas lingeries e arrume alguns brinquedinhos no SexShop — fiz cara de nojo,
ao perceber que estava conversando sobre a vida sexual dos meus pais com a
minha mãe.
— Isso é genial! Por que não pensei nisso
antes? — Minha mãe era só euforia, tentei não pensar no porquê.
— Certo! Enquanto a senhora sossega esse fogo,
eu vou terminar de me vestir.
— Vai sair mais tarde?
— Não que eu saiba, por quê?
— Sua prima chamou as outras damas para
discutirem sobre o casamento.
— Que merda!
— Olha a boca! Ainda sou sua mãe.
— Essa garota não tem casa, não? Não tem
emprego?
— O apartamento dela e da sua tia Isabelle
está em reforma.
— Vá para casa do pai, então.
— Eles não se dão bem. Só seja gentil.
— E quando eu fui mal educada? — Fiz cara de
santa.
— Claro — me deu um beijo na bochecha e saiu
comigo do banheiro. — Casamento é um momento especial, querida. Quando estiver
passando por isso perceberá — revirei os olhos em descontentamento. — Tente ao
menos ser agradável.
— Okay. Só não prometo nada.
— Excelente! Agora eu vou seguir aquele seu
conselho, e comprar uns brinquedinhos. — Tentou fazer uma cara de safada.
— Deus, mãe! Vá logo antes que eu comece a ter
visões com isso. — Ela só sorriu e saiu rebolando o quadril generoso, que tinha
herdado da minha avó.
Acho que eu era a única mulher da família que
tinha trabalhado muito para conseguir um pouco de quadril definido. O resultado
não havia ficado ruim, mas a genética bem que poderia ter ajudado.
[...]
Estava andando pelo jardim da casa desde que
saí do banho. Observava os empregados passando de lá para cá nervosamente. O
céu já estava escuro, e poucas estrelas deram o ar da graça. A noite estava
bonita, considerando as circunstâncias.
Poucos minutos depois, eu estava rodeada pela
original e por quatro cópias de vários tamanhos de Lana. Elas sorriam
graciosamente e bebiam champanhe enquanto conversavam sobre decoração e sobre o
cardápio do casamento. É bom deixar claro que nenhuma delas fez qualquer
questão de me incluir no assunto, o que me fazia questionar o porquê de ela ter
me chamado para ser sua madrinha, enquanto tínhamos outras sete primas que
desempenhariam esse papel infinitamente melhor que eu.
— Lana nos disse que você é advogada, Julliet.
— Começou a Pâmela, Joyce, Sofia ou Camila, não havia decorado qual nome
pertencia a quem. — Nos conte — sentou-se mais próxima de mim, como se estivesse
prestes a contar algum segredo — alguma vez, já rolou sexo no escritório? —
remexeu as sobrancelhas como minha mãe fazia, a única diferença, era que na
minha mãe ficava fofo, já nela...
— O escritório é meu local de trabalho, e eu
respeito meu local de trabalho, já que é de lá que eu tiro dinheiro para pagar
meu aluguel e minhas contas no mês. E outra coisa: se eu quisesse só sexo, eu
iria para boates me esfregar em algum desconhecido.
— Julliet... — Lana me olhou tentando me
repreender. Dei de ombros.
— Mas então, você tem um namorado? — Outra
garota perguntou para mim, acho que a “Lana 2” tinha ficado um pouco receosa ao
falar comigo.
— Não.
Peguei algum aperitivo que o garçom estava
servindo, me preparando para começar a me sentir quase dez anos mais nova. Eu
tinha voltado ao ensino médio!
— Mas você mora sozinha, é bem sucedida. Eu
não entendo. Como consegue ficar sem sexo? — Ela parecia uma tarada falando
assim.
— Sabe... Eu tive um professor no ensino
médio, ele lecionava biologia. Um dia ele disse uma coisa para a turma que
ficou martelando na minha cabeça. Quer saber o que ele disse? — Olhei para as
seguidoras da Lana que me olhavam atentamente. — Tente retardar o sexo até o
momento em que você tiver maturidade suficiente para conciliá-lo com sua vida.
— O que isso quer dizer?
— Com quantos anos você transou... — puxei
pela memória o nome da “Lana 1” — Joyce?
— Com a mesma idade de todas aqui, quinze! —
Admitiu com um sorriso enorme, como se isso fosse a maior vantagem do mundo.
— Com quinze anos você mal saiu das fraldas.
Não conhece seu corpo e acha que dar uns amassos escondidos dos adultos é a
maior maravilha. Então o seu “namoradinho” falou: “Gata, fofa, chuchu — ou
qualquer outro apelido ridículo — vamos transar?”. Você ficou na dúvida, mas
todas as suas amiguinhas ‘Maria vai com outras’ disseram: “Ah! Mas você tem que
aceitar. O Joãozinho é o maior gato da escola, e você vai perdê-lo se não abrir
logo as pernas”. Então você pensa: “Nossa! A Mariazinha tem razão”. Quando
menos espera, está no banco de trás de um carro, transando com um cara que você
mal conhece. Aí eu te pergunto: Qual a vantagem disso?
— Ué, mas... — interrompi a Lana 3.
— Minha filha, se você queria experimentar o
que era um orgasmo, procurasse na Internet. Agora, você é uma adulta que só
sabe pensar naquilo, e nem trabalhar consegue! Tá entendendo o que eu quero
dizer?
Nessa hora, minha prima estava dividida entre
a vontade de me matar, e a de mudar de assunto. Ela escolheu a segunda opção.
— Então, gente — pigarreou — quando vamos
fazer o chá de cozinha?
— Não. Espera aí, Lana — a Lana 3, que eu
descobri ser a Sofia, interrompeu minha prima. — E por que você pensa assim?
— Quer mesmo saber? — Ela assentiu. — Minha
adolescência foi um verdadeiro inferno, mas eu aprendi a dar valor no que é
importante, quando se tem essa idade. Estudar é uma delas. Quando você é dona
do seu próprio nariz, pode fazer tudo o que quiser para se divertir sem se
preocupar com o que os outros vão pensar. Adolescência é para se divertir,
aproveitar, não para brincar de casinha com um garoto qualquer.
— E você fala isso com que experiência,
priminha? Pelo que eu soube, você não era a mais desejada. — Lana tinha um
arzinho superior que me enojava.
— Posso não ter sido a mais desejada, mas os
que tiveram a sorte de passar a mão por esse corpo, meu bem — levantei-me e dei
uma voltinha me mostrando — quiseram ter a sorte de poder repetir. O que vale
não é o corpo, é a confiança. E eu confio em mim. Posso não ser uma vaca
peituda e bunduda que nem você, mas eu me garanto, e eu adoro tudo isso aqui —
apontei para o meu corpo.
— Como você tem a coragem de me chamar de vaca
peituda, sua petulante?
— Me dá um tempo, Lana. Eu acabei de chegar de
viagem, e tive que ficar aqui te aguentando — preparei-me para sair dali, mas
as seguidoras me chamaram de volta.
— Será que a gente poderia combinar de se
encontrar? — Sofia questionou, falando o que as outras também queriam. Trocamos
telefones e eu pude ver a boca de Lana espumando.
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