O soco que Jacob levou na cara
doeu. Claro, não foi uma dor física, assim como o dito soco, também não foi
físico. Foi mental. Espiritual.
Nunca imaginara que levaria
esporro de um cara anos mais novo que ele. Mas começava a perceber que, talvez,
o garoto fosse o único que possuía coragem suficiente para enfrentar o grande alpha sem medo das consequências.
Escolha. Escolha. Escolha.
A palavra dançava em sua mente
como uma bailarina amaldiçoada. Brincava com suas opções, com seu futuro. E o
que Jacob poderia fazer? Tudo. Nada.
O fato era que o medo que ele
sentia sobrepunha todo o resto. Assumir o sentimento desperto em apenas um
olhar acarretaria uma série de acontecimentos e problemas. Problemas, estes,
que ele não estava pronto e nem desejava ter. Por que arriscar-se a quebrar a
cara com esse tal de amor? Além disso, não era amor. Era imprinting.
A patrulha pela periferia de
Lorem começara há alguns minutos, logo após Seth larga-lo, no meio da clareira,
remoendo as pesadas palavras. Jacob aprendera a controlar os pensamentos, mas,
naquele dia, sobrescrever seu imprinting
por Kahli tornava-se cada vez mais difícil.
Foi enquanto tentava ignorar a
garota e os pensamentos paralelos dos amigos que ele a sentiu pela primeira
vez. O lugar nas costas, marcado pelo estranho símbolo, pulsou. Latejou como se
tivesse vida própria, esquentando os músculos e levando um formigamento do
menor dos pelos até as patas. O corpo todo foi impulsionado para a direção
contrária a dele.
Jacob fez o que vinha
praticando desde o dia seguinte a sua chegada à cidade, contrariou corpo e
coração, fincando os membros na calçada. O esforço não foi ínfimo e não tardou
para que os outros notassem algo estranho acontecendo ao alpha.
— Jacob. – Embry o chamou por
pensamento. – Jake? – A voz do amigo em sua cabeça de nada serviu. Ainda sentia
o corpo chacoalhar e os lábios tremerem em um rosnado que esvaía-se pela rua
deserta.
— Jacob, cara, o que há?
De repente, a mente fechou-se.
Nenhuma voz.
O que ele tentava fazer há
anos aconteceu em segundos. Todos os pensamentos dos lobos sumiram de sua mente.
Estava, enfim, sozinho.
Então ele ouviu.
O simples sussurro de seu nome
bastou para que perdesse o tão presado controle. A marca queimou nas costas
dolorosamente, disparando a adrenalina pelos músculos e impulsionando-o à
direção que tanto desprezou.
As patas mal tocavam o chão de
pedras. O zumbido sobre os ouvidos denunciava que a velocidade com a qual
corria era alta demais para ser acompanhada por um humano comum. Seus Irmãos
não eram comuns. E, embora soubesse da companhia, ele não se importava, porque
tudo, naquele instante, resumia-se à garota caída na porta de sua casa.
Kahli tinha os braços e as
pernas repletos de arranhões. O sangue escorria por vários deles, manchando a
pele morena de um lúgubre carmim. O pijama azul encardido que usava, mal cobria
as partes necessárias. Ela tremia e Jacob não sabia se era de frio ou medo. No entanto,
o rosto era o pior. Os olhos escuros em nada lembravam a primeira vez em que se
viram. Eles transmitiam com exatidão o que se passava no interior dela. Desesperança.
Pavor. Jacob se deu conta de que nunca mais queria ver aquele olhar no rosto de
sua imprinting. Não. Ele mataria o
causador de tamanha dor, e, para sua sorte, o ser estava bem à sua frente,
trajando um manto preto da cabeça aos pés.
A figura encapuzada não deu importância
aos que haviam acabado de parar atrás de si. Seu foco era a animalium. Sabia que a garota tinha algo
especial. Algo que seria a peça chave no enorme quebra cabeças de sua busca.
Porém, antes que desse um passo em direção à Kahli, um som terrível ecoou pelo
ambiente. As árvores sacudiram-se, espantando os últimos pássaros. Intrigado, o
ser virou-se para a direção do barulho.
Jacob tinha a garganta ardendo
como se estivesse queimada e os tímpanos doendo. Os lábios tremiam abertos,
mostrando os dentes afiados, e ele já não sentia o chão de pedra sobre as
patas. Elas simplesmente haviam se transformado em pó no momento em que o som
infernal saíra de sua boca.
O verdadeiro alpha estava fora de controle e num
único salto ele colocou-se entre sua imprinting
e o cara encapuzado, que, finalmente, percebera que não conseguiria pegar Kahli
naquela noite. Sua raiva, então, direcionou-se ao causador do insucesso de sua
excursão.
Subitamente, o brilho verde
que cercava o lugar concentrou-se nos olhos do ser. No lugar de pupilas e íris,
bem no centro do negro, formou-se um anel esverdeado. As mãos brancas saíram da
túnica escura e ergueram-se em direção a Jacob. O lobo esperou um ataque que
não veio.
— Não vai fazer nada? –
Vociferou em pensamentos, desejando que “aquilo” pudesse entendê-lo e enfrentá-lo
de uma vez por todas.
— Hoje não, lobo – uma voz
antiga falou na mente de Jacob. – Mas farei questão de, num futuro próximo, lhe
dar o confronto que deseja.
Sem aviso, a figura sacudiu os
braços e transformou-se. Primeiro os pés, depois o resto do corpo transmutou-se
em uma nuvem da mesma cor da luz nos olhos. A estranha fumaça seguiu na direção
que o vento soprava. Não foi preciso ordem alguma para que o bando corresse
atrás da forma incomum.
...
Parado na porta de casa,
sentindo os efeitos do surto passarem, Jacob observou Kahli. Os orbes escuros
agora o contemplavam. Estavam cansados, assustados, mas começando a entender
que o perigo maior já havia passado.
Kahli deu um suspiro de alívio
enquanto olhava para o lobo castanho. Ela o sentia. Cada parte de seu corpo sentia
o dele. A força nos membros traseiros. A destreza dos dianteiros. A respiração
pesada. O coração forte pulsando, levando vida para cada parte dele, da cabeça
angulosa ao traseiro, onde um rabo peludo balançava displicentemente. Não fazia
ideia de que ele era tão lindo.
Jacob viu a sombra de um
sorriso passar pelo rosto esgotado antes de a cabeça tombar contra a porta. O
simples ato trouxe de volta a agonia no peito. O medo de perdê-la veio mais
rápido que um raio e ele sentiu a energia do espírito soltando sua forma,
transformando o lobo em homem. As pernas chegaram à Kahli antes que a mente
pudesse processar algo. Os braços a envolveram com cuidado e, quando
experimentou a sensação de ter as mãos dela segurando-o pelo pescoço, sentiu o
coração bater com força contra as costelas.
Não soube como conseguiu
entrar em casa, mas entrou.
O fato era que a alma estava
comandando o corpo. Não precisava enxergar ou pensar, sabia o que deveria fazer
para cuidar dela.
Caminhou serenamente até o
banheiro, notando o quão leve Kahli era, vendo como a forma dela parecia
encaixar-se a sua, mesmo naquela posição.
O box estava aberto e, em
segundos, o chuveiro foi ligado. A água fria despertou Kahli de imediato e,
assim que sentiu os pés tocarem o chão, os tremores por conta da temperatura
começaram.
— Está... – os dentes bateram
- fria.
Um corpo cobriu-a e a água,
imediatamente, parou de cair sobre ela. Erguendo o rosto, viu Jacob acima de si.
Sua cabeça quase tocava o chuveiro, fazendo o jato frio bater primeiro nele e escorrer
por seu peito. Mal podendo controlar-se, Kahli encostou-se ao homem e sentiu,
sem surpresa, a água quente. O corpo inteiro acalmou-se e ela soltou a
respiração que não percebera estar prendendo.
Com as mãos molhadas, Jacob descartou
a embalagem do sabonete novo e o esfregou contra as palmas. A primeira vez que
encostou a espuma nos braços de Kahli, ouvi-a soltar um chiado de dor.
Amaldiçoou-se internamente por estar causando mais aflição a ela.
— Preciso limpá-los. Os cortes
são superficiais, mas...
— Tudo bem.
De olhos fechados, ele
permitiu-se aproveitar aquele momento. Os dedos deslizando pela pele lisa. A
bochecha afundando-se nos cabelos molhados. O rosto dela contra seu peito. Como
conseguira viver sem isso?
Chegando pouco abaixo dos cotovelos,
Jacob esbarrou na cintura de Kahli, o silvo de dor ali foi maior. A atenção do alpha voltou-se completamente para o
lugar. A blusa do pijama estava rasgada e, sob o rasgo, um corte aberto
sangrava initerruptamente.
A primeira reação dele foi
levantar a blusa, mas a mão de sua imprinting
o impediu.
— Não.
— Tenho que lavá-lo. –
Castanhos mergulhando nos negros. – Prometo não olhar. – Kahli assentiu.
Jacob sentiu com satisfação o
corpo de Kahli estremecer quando as mãos tocaram-na a pele nua. Nunca desviando
os olhos dos dela, ergueu a blusa e jogou-a no chão, causando um barulho oco. A
boca ficou seca enquanto acariciava a área do corte.
— Pernas. – Falou antes de
ajoelhar-se no azulejo e tomar as pernas de Kahli entre as palmas. A parte
debaixo da roupa sendo descartada no processo. Com as janelas do mundo
fechadas, ele sentiu-a com as da alma. As coxas malhadas e roliças enviaram um
choque direto para a área entre as pernas. Ele travou o maxilar, lembrando-se
de uma frase das Sagradas Escrituras. Você
será o que ela precisar, um amigo, um protetor, um amante. Naquele momento,
sua imprinting precisava dos dois
primeiros e ele os seria de bom grado, sem esperar nada em troca.
Com uma toalha enrolada na
cintura, Jacob segurou Kahli pela cintura e a envolveu em um roupão limpo que
encontrara dentro do armário.
No quarto, ele colocou-a
sentada no seu colchão do beliche, enquanto procurava uma roupa que, pelo
menos, a aquecesse. Um blusão dos Seattle
Seahawks e uma boxer branca foram os escolhidos. Ajudá-la a vestir-se foi a
parte mais fácil. Os cortes estavam limpos, o da cintura, que parecia o mais
feio, na verdade não fora profundo e um tempo sob a água fria foi suficiente
para que o sangramento parasse.
— Está melhor? – A mão de Jacob
segurou o rosto de Kahli com firmeza, levantando-o. Inconscientemente, ela
inclinou a cabeça para o lado, aproveitando o carinho que o toque transmitia.
— Obrigada. – Uma lágrima
escorreu, sendo seguida por outras. – Não sei o que aconteceu. Eu entrei em
pânico – sussurrou, antes de começar a soluçar.
Como vinha acontecendo muito, ela sentiu o calor envolvê-la e logo a
cabeça deitou sobre os ombros de Jacob. Lentamente um aroma inexplicável a
inebriou. Tudo o que ela mais gostava estava mesclado em um único perfume. O
cheiro das primeiras gotas da chuva ao caírem na terra. O vento balançando as
árvores, levantando a poeira e as folhas num redemoinho. O cheiro de canela
ainda fresco, vivo. Jacob parecia ter sido feito para ela. Para acalmá-la,
cuidá-la.
— Onde você esteve? – A garota
perguntou de repente.
— La Push – respondeu-a
sorrindo um sorriso branco feito neve.
— Não – ergueu os olhos para
ele. – Onde este – tocou a bochecha cheia, por conta do sorriso – você esteve?
Jacob tencionou o corpo ao compreender
a pergunta. Onde ele estivera? Para onde o Jacob apaixonado pela vida fora
durante aqueles anos todos? Apertando bem os olhos, ele tentou enxergar dentro
de si. O Jake estava lá, bem na porta
de seu coração. Sorriso aberto, peito leve, braços erguidos, olhos castanhos
brilhantes. Respirou fundo, sentindo o perfume de rosas que ele acabara de
descobrir ser o seu favorito no mundo.
— Acho... Acho que ele sempre
esteve por aqui, mas estava cansado demais de iluminar os outros sozinho. – Deu
de ombros. Lembrava-se vagamente das vezes em que Isabella o chamara de “sol
particular” e preparou-se para esquecer aquilo. Os olhos de Kahli. Eram eles
que o chamavam e era neles que Jacob queria jogar-se. – Estava esperando um sol
que pudesse me iluminar.
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