O terreno abandonado ficava um
pouco distante de Lorem, o que facilitava a entrada e saída deles e dificultava
as buscas dos moradores.
Fazenda “Nova Vida” estava escrito na placa, indicando o início das terras.
Irônico, considerando que as únicas coisas vivas ali eram os corvos, que eles
mesmos colocaram como forma de alarme. Um alarme natural e seguro.
A nuvem verde e disforme
seguiu o caminho terroso, parando em frente a uma construção antiga. Lascas finas
de madeiras caiam na varanda, apodrecidas pelo tempo e pelos cupins. Elas
faziam um som contínuo, propagando noite adentro. Parecendo seguir esse ritmo,
a fumaça tocou o chão. O verde tornando a ser negro. A túnica arrastando-se no
chão repleto de folhas mortas.
Dentro da fazenda, o ambiente não
era diferente. As poltronas encardidas, outrora alaranjadas, tinham grandes
buracos por onde a espuma bege saía. O chão, apinhado de pó e outras
imundícies, rangia com o peso que lhe era distribuído. Havia teias de aranha,
mas elas, há muito, não viviam mais ali.
— Vermont! – Apesar de parecer
um sussurro, a voz de Calisto carregava uma ordem muda que ele repugnava
seguir. Mas eles eram assim. Não tinham sentimentos. Trabalhavam com apenas
três regras fundamentais, a base dos inanimis.
Siga o mais antigo. Odeie os vivos. Encontre o Mana.
— Sim. – Vermont começava a
aproximar-se do centro da construção decadente. O “mapa Vitte” estava aberto sobre a mesa bamba e seu superior estava ao
lado. O capuz abaixado, revelava o rosto branco, desprovido de expressões humanas
ou qualquer uma das eventualidades que a vida trazia consigo. A boca fechada
nunca mais se abriria e o pelo jamais cresceria em seu corpo. Estava aí, a
razão de a cabeça ser lisa.
— Não trouxe as Pryde’s contigo.
– Não era uma pergunta, mas, mesmo assim, Vermont assentiu, deixando o capuz
cair e revelar as marcas sobre a pálida pele.
— Chamaram os transfiguradores
para ajuda-los.
— Já imaginava que isso
aconteceria. Os animalium nunca foram
muito espertos para darem conta de seus problemas sozinhos – os lábios colados
repuxaram-se em um sorriso nuvioso. – Aconteceu há uma geração, não seria
diferente com esta.
— A mais nova tem uma ligação
com o alpha. – Vermont rodou a mesa e
parou ao lado de Calisto. Vitte
mexia-se em linhas verdes, cada fronteira mostrando as vidas na reserva San
Bernard e cada ponto indicando um pequeno reservatório de Mana.
— Ligação? – Os olhos negros
de Calisto apresentaram uma curiosidade genuína.
— Ela estava em casa quando
chegamos, nos viu e conseguiu fugir.
— E... – Tombou a cabeça para
o lado, mostrando a cicatriz arredondada sobre a pele. Uma espiral que
significava o seu poder dentro da Ordem.
Só sairia do cargo se morresse, o que era difícil, já que ele estava morto.
— Ela correu para uma casa. Eu
a persegui, mas ela o chamou. Jacob. Em segundos ele apareceu. Um lobo castanho
avermelhado enorme.
— Bom... E o que mais?
— Eu vi uma tatuagem nas
costas de Pryde.
Sem esperar que seu Prefectus pedisse, Vermont ergueu a mão
direita, a palma voltada para cima. Sobre ela, um desenho esverdeado começou a
surgir, primeiro num brilho fraco, depois iluminando todo o recinto. A meia lua
mágica foi tomada de sua palma.
Calisto a soltou no centro da
mesa.
Crescendo irregularmente, o
símbolo tocou o teto. Toda a forma da meia lua era mais que riscos e coloridos,
era um 3D muito mais real que qualquer outro.
O inanimi mais velho passou o dedo no lugar da linha branca. A unha
comprida atravessando a figura que, nada mais era do que um holograma. A
compreensão atravessou sua mente, enquanto ele completava a figura em
pensamentos.
— Não é uma tatuagem – pousou
os olhos negros em Vermont. – É a marca Nisi
Amare.
— Como?
— Você sabe que não somos os
únicos com mágica, Vermont – a voz de Calisto beirava uma diversão sombria. –
Isso aqui – apontou para a figura levitando sobre a mesa – é o nosso ponto de equilíbrio.
Vermont franziu a testa lisa. O
chamado de Kahli pelo lobo, acreditava ele, ter sido fruto do desespero. O lobo
ter atendido a esse chamado, se devia à sua própria magia. Porém, pelo que
acabava de entender, existia outra coisa, outro poder, outra magia relacionada
aos dois que poderia combatê-los.
— Lembre-se de seus
ensinamentos, Vermont. – O ódio comum nos inanimis
voltou a reinar no tom de Calisto. – Não posso ter errado ao Iniciar você.
Algo parecido com um rosnado
reverberou pelas paredes precárias da construção. O mais novo odiava aquilo.
Odiava a cobrança e o fato de que, mediante a qualquer oportunidade, Calisto
sentia prazer em lhe mostrar suas falhas. Se pudesse, e tivesse a oportunidade,
lhe tomaria a posição de Prefectus.
— Tudo no mundo tem seu
equilíbrio, Prefectus, e conosco não
seria diferente.
— Sim, conosco não seria
diferente – sussurrou enquanto, com as mãos soltando inúmeras faíscas verdes,
gesticulava. O símbolo começava a ganhar outras formas. Mais três meias luas
apareceram. Cada uma de um tamanho diferente, em locais diferente e com linhas
brancas desiguais. – Veja bem, a força do universo nos criou para
contrabalancear os animalium. E essa
mesma força criou o Nisi Amare para
equilibrar o Imprinting, uma magia
que foi transformada a partir dos próprios transfiguradores. O Imprinting foi um efeito colateral da Terram e, para não deixa-lo sozinho, o Nisi Amare foi criado. Era para ser
igual ao Imprinting, um animalium se apaixonar pelo humano
escolhido, mas, como sabemos, a magia é imprevisível. Um animalium só pode ter o Nisi
Amare, se um quileute tiver um Imprinting
por ele.
— Pryde teve um Nisi Amare – Vermont afirmou para si
mesmo.
— Sim. E isso nos leva... – O Prefectus deixou a frase em aberto,
olhando para a marca do Nisi Amare.
— A Pryde foi feita para nos
combater.
— Destruir para ser mais exato
– escondeu as mãos nas mangas da túnica, deixando os braços em frente ao corpo.
– Kahli Pryde foi feita para nos destruir. Um efeito colateral da magia.
Brilhante, não acha – a boca curvou-se. – O universo nos criou e ele próprio quer
nos exterminar. A pessoa que pode encontrar o Mana para nós é a mesma pessoa que pode nos aniquilar da Terra.
O símbolo agora brilhava.
Verde sendo substituído por um vermelho que se assimilava ao rosado. Completa,
a marca mostrava que os riscos brancos eram mais que linhas aleatórias. Se
observados de perto e com atenção, poderiam formar uma figura. Um lobo. Um lobo
quileute.
— Procuramos o Mana por milênios e ele nos encontrou –
Vermont falou, antes de o brilho rosado tomar a casa.
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