— Jacob!
Uma mulher de pele cor de
oliva e olhos âmbar gritava para o menino sentado na areia. Os cabelos escuros
dela chicoteavam em suas costas e rosto enquanto tentava, inutilmente,
domá-los. Ela usava um maiô esverdeado com bolinhas em um tom mais claro de
verde. De alguma forma, a roupa combinava com seu corpo, mesmo não tendo nada a
ver com o estilo que a moda ditava.
— Vamos, Jacob! Não acredito
que meu príncipe guerreiro está com medo – falou divertida, colocando as mãos
na cintura pouco arredondada. Dar à luz a três filhos, sendo dois deles,
gêmeos, não lhe deixara mais magra do que era na juventude.
— Não. – Franzindo as
sobrancelhas escuras, iguais às do pai, Jacob cruzou os braços. Ele se lembrava
de quando tentara nadar. Não fora nem um pouco divertido. A água havia entrado
por seu nariz e boca, e, tentando não se afogar, acabou o fazendo.
— Não confia em mim? –
Perguntou, aproximando-se do menino.
Jacob juntou as mãos e começou
a torcer os dedos, atitude comum na sua infância, quando estava em dúvida de
algo. Era verdade que estava com medo, mas isso não significava que não
confiava na mulher. Seria um bobão, como Jared dissera uma vez, se não
confiasse nela.
— Confio – respondeu por fim.
— Então venha. – Com uma
desenvoltura impressionante, a mulher pegou Jacob no colo e o fez abraça-la com
pernas e braços. – Pronto? – O menino apenas escondeu o pequeno rosto em seu
pescoço, fazendo-a sorrir.
Em pequenos passos, a mulher
caminhou para o mar. Quando os pés tocaram a água, ela soltou um “quase lá”
para a criança e a apertou contra si, sentindo-a estremecer.
— Estamos dentro! – Falou
animada.
— Quero sair, mãe! – Jacob choramingava,
sentindo a água salgada lhe molhar até o peito.
— Você sabe nadar – tentou
soltar as mãos de Jacob de seu pescoço.
— Não sei.
— Sabe sim, Billy lhe ensinou.
— Mas eu vou me afogar!
— Escute bem, Jacob William
Black, - o tom sério na voz da mãe fez o menino erguer os olhos marejados –
você não vai se afogar. Agora, solte os braços.
Temeroso, mas munido de uma
coragem que o assustava, Jacob largou o pescoço de Sarah.
— Isso – segurou as mãos do
filho. – Agora as pernas – pediu e foi prontamente atendida.
Com o coração batendo na
garganta, o menino separou-se da mãe.
A água agora batia em seu
pescoço.
Sua primeira reação foi
desesperar-se, a segunda, foi olhar para os olhos incomuns que o fitavam,
passando o ânimo e a confiança de que precisava para começar a balançar as
pernas e os braços em movimentos ritmados.
— Estou nadando! – Gritou,
dando uma gargalhada em seguida.
— Você está nadando! – Sarah
parecia mais realizada que o próprio filho. – Eu disse que você podia!
— Mas a senhora é minha mãe!
Não valia. – Jacob comentou com diversão, batendo a mão na água e a jogando na
mãe.
Sarah estava resplandecente. O
brilho da maternidade a deixando cada vez mais linda.
O sorriso gigante em sua face
estava refletido no rosto do filho. Era incrível. Apesar de Jacob ser todo
Billy Black, aquele sorriso era seu. Mesmo entusiasmo. Mesma capacidade de
brilhar e aquecer quem estivesse por perto.
Seu pequeno príncipe guerreiro
estava de volta.
— Ainda está com medo? –
Questionou o filho, após o fim das brincadeiras.
— Não – Jacob respondeu,
colando as costas na mãe.
— Bom. – O sol agora começava
a se por, fazendo Sarah admirar o espetáculo de cores. – O medo é somente sua
cabeça falando. Não deixe que ela lhe diga o que fazer, certo? – Jacob
assentiu, mesmo sem entender muito bem o que a mãe queria lhe dizer. – Não tem
medo aquele que tem fé – falou em um sussurro, como se lembrasse de algo.
— E o que é fé?
— Fé? Fé é acreditar. Só isso.
Se você acredita com muita força, você tem fé. – Acariciou os cabelos lisos do
filho, sorrindo-lhe com doçura. – Toda a fé de que você precisa, está dentro de
seu coração. Siga-o sempre. Faça dele sua religião e aí saberá que nunca errou.
— Ele não tem medo?
— Quem? O coração? – Jacob
confirmou. – O que você acha?
— Acho que ele tem medo – girou
o pescoço e pousou os olhos castanhos em Sarah –, mas a fé é maior.
— É... A fé é maior, filho. –
Sarah virou Jacob para que ficassem frente a frente. – Você será muito feliz,
meu príncipe guerreiro. – A fala foi mais uma previsão, do que uma benção.
— Vou sim e a senhora vai
estar sempre comigo.
A mulher sorriu tristemente.
Tinha certeza de que aquilo não seria possível. Não era pessimista, mas sabia que
mudar-se para La Push não fora o suficiente. Fugir nunca seria a chave para se
ver livre deles. Felizmente, graças a
seu infortúnio passado, ela conhecera Billy. Seu marido viciado em assistir
jogos na TV e torcedor ferrenho dos Seattle Seahawks. E ele lhe dera três
filhos lindos, que ela trataria de educar e amar enquanto os deuses
permitissem.
...
Não foi o sonho com a mãe que
despertou Jacob. Nem os cantos dos olhos molhados. Nem o aperto no peito, que ele
sempre sentia quando se lembrava de Sarah. Foi o barulho da porta abrindo-se e
Embry entrando no quarto sem cerimônias.
— Jacob! Levante logo dessa
cama, cara!
— Que foi? – Perguntou para o
amigo, o volume da voz muito mais baixo que o de Embry.
— A mãe da sua amiga aí –
apontou com o queixo para Kahli, deitada quase em cima de Jacob – está
chegando.
— Chegando? – Jacob
praticamente se desmaterializou da cama para o chão, a camisa escura que ele
usava enrolando na cintura e a bermuda mostrando parte da cueca branca. – Como
assim chegando?
— Chegando, chegando, Jacob!
Com suas próprias pernas e com o Elias à tira colo – Embry revirou os olhos
numa mistura de tédio e obviedade.
— Droga!
— Isso mesmo! Droga! – Em
questão de segundos, batidas na porta da frente soaram.
— Droga!
— Você já disse isso.
Mostrando possuir um “timing”
perfeito, Kahli escolheu aquele exato instante para acordar.
A garganta seca e cabeça latejando
foram as últimas coisas em que prestou atenção. O corpo, ao invés de notar as
partes doloridas, percebeu que estava sozinho na cama. Então, como reflexo, a
mente fez os olhos procurarem por Jacob.
Encontrou-o de costas para si,
conversando com um dos amigos, Embry se estivesse correta. A camiseta,
bagunçada na cintura, mostrava parte de uma linha negra sobre a pele. Na noite
anterior não percebera que Jacob tinha uma tatuagem nas costas.
As expressões dos lobos não
eram amigáveis, mas Kahli sentiu o clima pesado no quarto, apenas depois de
chamar a atenção dos rapazes.
— Tem algo errado? –
Questionou para ninguém em especial.
— Está tudo bem. – Jacob respondeu,
aproximando-se dela. Apesar do rosto calmo, os olhos entregaram-no.
— O que está acontecendo,
Jacob?
Uma parte do alpha, a perceptiva, entendeu que Kahli
não era o tipo de pessoa que deixava as coisas “para lá”. Ele engoliu em seco,
escutando Sibila bater na porta.
— Não vão atender a porta? –
Sentou-se no colchão, abraçando a cintura com um braço, como se o gesto pudesse
diminuir a dor incômoda do corte.
— Está sentindo dor? – A
preocupação evidente na voz de Jacob não a fez mudar as ideias.
— Não mude de assunto – o
negro encontrou o castanho. – O que está acontecendo?
— Sua mãe está aqui. – Embry
entrou no meio da conversa, quebrando a troca de olhares e fazendo Kahli ficar
de pé.
— Minha mãe? Mas ela... –
Kahli olhou de Embry para Jacob, querendo que a informação fosse mesmo
verdadeira. – Ela está aqui? Eu achei que ela... – Engoliu em seco e correu
pelo corredor a fora.
— Mas que droga, Embry! – Dando
um empurrão no amigo, Jacob seguiu Kahli. Ele chegou a tempo de ver a moça
abrindo a porta, e encontrando Sibila e Elias.
Desde o instante em que notara
o desaparecimento da filha, Sibila movera mundos e fundos para descobrir o
paradeiro de Kahli. Seu primeiro pensamento foi que ela havia sido sequestrada,
assim como os outros. Tudo indicava que isso acontecera. O sumiço dela, a casa
revirada, a porta trancada.
Elias foi o nome que saltou em
sua mente. Ele poderia ajuda-la. De fato, ele ajudou.
Após percorrerem toda a
vizinhança procurando por Kahli, sem nenhum progresso, avistaram os lobos.
Seth bem que tentou esconder a
verdade, mas os outros – que acreditavam haver apenas uma relação de protetor e
protegido entre Jacob e Kahli, não hesitaram em dizer o que ocorrera de
verdade.
Depois disso, toda a
preocupação com o bem estar de Kahli sumira, dando lugar ao ódio ferino pelos
Black. Ódio, este, que ela não se importava de não esconder, mas fazia questão
de não admitir para ninguém o porquê.
— Sibila, por favor, vá com
calma.
— Calma – sorriu friamente. –
Estou calma – a batida na porta mostrou o quão calma ela realmente estava.
E, quando Sibila foi recebida,
tudo que conseguiu ver foi Jacob parado a uma distância pequena dela. Uma
distância curta o bastante para que em menos de cinco passos ela conseguisse
acertar um tapa no rosto dele.
Felizmente ou infelizmente, a
opinião variava de acordo com as muitas pessoas que assistiam e participavam da
cena, Sibila não teve sua ideia concretizada.
Kahli entrou na frente de
Jacob, ignorando as dores e o fato de que, com o ato, ficaria declaradamente
contra a mãe.
— Não.
— Kahli...
— Quer motivos para não fazer
isso? – Olhou para Sibila, a desafiando. – Os transfiguradores foram feitos
para serem mais fortes que os humanos comuns, isso quer dizer que qualquer tapa
que a senhora der em Jacob nada irá provocar, a não ser, talvez, um osso
quebrado em sua mão. Está fazendo um papel ridículo aqui, quando deveria
agradecê-lo por ter salvo a vida de sua filha, eu. Se não fosse por ele eu não
estaria aqui. – Kahli observava a expressão da mãe fechar-se cada vez mais. –
Quer outra razão? Sou eu quem deveria estar nervosa aqui.
— O que quer dizer? – Sibila
elevou a voz e Elias pousou a mão em seu ombro, tentando acalmá-la. Não
adiantou.
— Quando nossa casa estava
sendo atacada por a... – a palavra “aqueles” ficou entalada na garganta de
Kahli. A questão era que o evento da noite anterior lhe marcara e essa marca
ainda não havia desaparecido. Era cedo demais para tal. – Eu fui procura-la em
seu quarto e a senhora não estava – as orbes escuras ficaram marejadas. – Eu
fiquei sozinha e se não fosse por ele, - agarrou a mão de Jacob, a apertando
contra sua palma – se não fosse por Jacob Black, o filho do homem que a senhora
declara odiar, eu não estaria aqui. Tem noção do que eu passei? Do que eu
senti?
— Me desculpe por não estar
lá, filha. Eu... – a mão que estapearia Jacob, apertou seu peito. – Aconteceu
um problema e eu tive que resolvê-lo. Deveria ter avisado você, mas eu não
achava que aconteceria isso.
— Mas aconteceu, e você nem
ligou para isso quando entrou aqui. A única coisa que lhe preocupou foi esse
ódio infundado por um cara que não tem nada a ver com o seu passado.
— Eu já pedi desculpas, Kahli!
– O desconforto de Sibila aumentou quando percebeu os olhos castanhos de Jacob
a encarando. Os mesmos olhos que lhe enxergaram anos atrás. – O que mais quer
que eu faça?
— Peça desculpa a Jacob.
— Claro – a ironia se fez
presente em seu tom. – Não vou me desculpar, muito menos agradecer. Elias não o
chamou aqui para proteger os nossos? Pois então, não fez mais que sua
obrigação.
— Não acredito que disse isso.
Kahli escaneou a sala,
observando desde Jacob, que estava ao seu lado, até os outros rapazes quileutes
que acabavam de chegar e Elias, prostrado detrás da mãe. A última, ela fez
questão de virar o rosto. Naquele momento queria não ter nenhum parentesco com
Sibila. Ela estava com vergonha, mas não era só isso. Uma parte dela buscava a
aceitação de Jacob pela mãe, o que não aconteceria tão cedo.
— Sibila, não acho que aqui
seja o melhor lugar para discutirmos. – Elias tentou apaziguar a atmosfera e
conseguiu, até a mulher abrir a boca novamente.
— Tem razão, - olhou para o
homem e depois para a filha – vamos embora.
Transcorreram-se cerca de
cinco segundos antes que Kahli tomasse a decisão que mudaria tudo.
— Não – apertou a mão de um
Jacob estarrecido.
— O que disse? – O rapaz ao
seu lado e Sibila questionaram juntos. A pergunta parecendo ser a única coisa
que ambos podiam concordar.
— Não vou.
— Kahli, não brinque comigo –
a mãe se aproximou perigosamente.
— Não estou brincando. A
senhora não respeitou Jacob e, muito menos, honrou seu nome quando o rechaçou.
Mentiu para mim ontem à noite e não se preocupou comigo desde o momento em que
pôs os pés nesta casa. Não vou com a senhora a lugar algum.
— Elias! – Olhou para o homem
buscando uma solução, sabia que a filha tinha uma característica muito peculiar
de não voltar atrás em suas palavras. Uma atitude que Kahli havia herdado dela.
— Eu disse para você ficar
calma – respondeu o homem dando de ombros.
— Kahli... – Jacob chamou-a. A
voz grossa tentando apaziguar a confusão de pensamentos em sua cabeça.
— Não vou voltar para a casa
dela, Jacob.
O alpha puxou-a de lado, tentando um pouco de privacidade com a
jovem.
— Kahli, não acredito que essa
seja a solução. – Jacob falou, notando que, poucas horas após seu primeiro
“contato” verdadeiro com sua imprinting
algo tinha que dar errado. Eles não poderiam ter conversado calmamente e se
conhecido aos poucos? Não. Se fosse diferente, seu nome não seria Jacob William
Black (antigamente, só Jake).
— Eu entendo que você não
queira que eu fique aqui e... – Kahli interpretou os dizeres do rapaz
erroneamente.
— Não é isso. – Ergueu o rosto
de Kahli com ambas as mãos. As palmas tocando a pele dela novamente, com uma
tensão diferente da noite anterior, quase o desviaram de seu foco. – Sua mãe
mora no centro. Não acha que é melhor ficar lá? Mais seguro? Ela é sua mãe.
— Mas não se lembrou disso
quando entrou aqui – suspirou audivelmente segurando as mãos de Jacob com as
suas. – Vocês moram em cinco aqui e quase não cabem dentro desta casa minúscula.
– Sorriu contida, sendo seguida pelo lobo. – Eu vou ficar na casa de Samantha.
Seth sabe onde é, qualquer coisa me procure. Tudo bem?
— Tenho a impressão de que
mesmo que eu não concorde você o fará – comentou divertido.
— Sim. – Respirou fundo, olhando
para onde a mãe estava e depois para Jacob, novamente. Ela não queria deixar os
olhos castanhos, nem a pele quente dele. O que era estranho, mas, após os
eventos passados, poderia ser compreensível. Ele a salvara. – Pode ir comigo
até lá. Hoje a Sam está de folga, além disso, vou precisar de ajuda com minhas
coisas.
— Não deixaria você andar
sozinha por aí, nem que me pedisse.
— Ótimo – sorriu satisfeita
enquanto virava-se, ficando de frente para os outros. Por alguns instantes Kahli
esquecera-se de que não estava sozinha com Jacob e, quando encontrou o olhar
estranho de Sibila sobre os dois, estremeceu. Nunca tivera razões para ter medo
da mãe, mas considerou isso nos minutos seguintes. Poderia jurar que a sombra
que passara pelos orbes escuros da mãe era muito mais que um nervosismo causado
por sua recusa em voltar. Aquilo era inveja.
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