Era noite e a louça do jantar
já havia sido lavada, enxugada e guardada. O pequeno grupo de homens estava
dividido pela casa. Três assistindo à televisão, um, deitado no quarto e o
outro, sentado no gramado do quintal, exatamente a dois metros da entrada da
floresta.
A lua estava redonda como um
disco e brilhante como o centro fumegante da chama de uma vela. Esse mesmo
brilho era quem iluminava os orbes castanhos de certo alpha e parecia
resplandecer sua pele avermelhada.
Jacob estava diferente. De uma
forma que nem ele havia notado.
Talvez fosse o imprinting. Ou talvez fosse somente ela.
Sem magia.
Nervoso com o rumo que os
pensamentos tornavam a tomar, sacudiu a cabeça de um lado ao outro, um gesto
que tornou-se bastante repetitivo com o passar das horas. A imagem vívida da
garota pairava em sua mente... tão real. Como se ela estivesse ali. Bem diante
de seus olhos.
O lobo bufou e resolveu que se
deixaria levar por aquilo. Não precisava aceitar. Ele só estava imaginando. Era
a cabeça dele. Não precisava aceitar.
Sorriso. Era verdadeiro, nem
um pouco parecido com o “meia boca” que Isabella destinava a ele.
Olhos. Eram o tipo de
precipício que ele não hesitaria em pular. Não. Ele já estava hesitando, antes
mesmo de começar.
Soltou um sorriso irônico.
Ele era um filho da mãe
sortudo. Tinha que ter um imprinting,
e não por qualquer garota. Tinha que ser pela filha da mulher que,
provavelmente, tivera algum rolo com seu pai no passado. Seria pedir demais ter
um pouco de sossego na vida? Mal saíra da adolescência, e já arrumara outro
motivo para a insônia!
A porta, atrás de si, abriu-se
com um ruído e os passos pesados de Seth chegaram até ele. O rapaz jogou-se ao
lado do amigo com a mesma delicadeza de um búfalo.
— Tá fazendo o que, aqui
sozinho?
— Pensando – respondeu
vagamente.
— Tem pensado muito
ultimamente, não acha Jake? Só pensa. Mal vemos você, só nas reuniões do
Conselho, do qual você, obrigatoriamente, faz parte.
— Prefiro assim. – Deu de
ombros, olhando novamente para a bola prateada acima de sua cabeça.
Esquecendo-se momentaneamente
da presença de Seth, Jacob voltou para onde estava, antes de apontar os erros
de sua vida. A melodia que ela cantava na clareira veio intensa em seus
ouvidos, tão intensa que começou a cantarola-la. Primeiro, num tom baixo o
bastante para que o companheiro não escutasse. Depois, no tom normal de sua
voz, fazendo de Seth, não só uma presença silenciosa, mas também, um espectador
bastante concentrado no espetáculo que lhe era proporcionado.
Paz. Era o que Seth via no
rosto do alpha. Algo que não dava as caras por aquelas bandas há muito tempo. Suspeitava
de que a garota, Kahli, tivesse algo a ver com isso, mas não forçaria a barra
para saber a verdade. No tempo certo, Jacob contaria o que havia acontecido.
Flutuar em sua própria mente
era uma coisa impossível, tão impossível quanto transformar-se em um lobo
gigante. E, Jacob estava fazendo isso naquele exato momento. Geralmente,
recolher-se em seus pensamentos era sinônimo de remoer o passado, ou deixar a
mente em branco, ou não submeter os amigos a um humor insuportável. Mas, ali, fingindo
que Seth não estava lhe fazendo companhia, e que não dava a mínima para a
mulher de cabelos negros, ele flutuou. Flutuou em direção ao desconhecido. Em
direção a uma janela com um horizonte repleto de rosas amarelas e uma garota
girando no meio delas.
As ideias começaram a tomar um
rumo diferente, um rumo que ele não previra. Elas também flutuavam para ela.
Kahli. Como se ela fosse sua salvação. O dia de verão pelo qual tanto esperara,
após anos de um inverno solitário e rigoroso. A estranha que se aproximara
sorrateiramente numa chuva torrencial segurando um guarda chuva amarelo, pronta
para dividir o pequeno abrigo com ele, sem pedir nada em troca. Aquela que o
transformaria em um homem melhor.
...
Kahli estava deitada em sua
cama. O silêncio preenchia sua casa, em parte, por causa do horário, em outra,
porque sua mãe havia enlouquecido, após seu sumiço durante boa parte do dia. E
uma prova disso, era a águia empoleirada na janela do quarto. O animal era uma
espécie de guarda, que Sibila colocara ali para evitar outra fuga.
Não era como se ela soubesse o
que estava fazendo. Só sentiu que deveria sair de sua prisão domiciliar por
alguns instantes, foi mais forte do que a razão. Ficar encarcerada dentro de
casa, por conta do medo absurdo que sua mãe tinha, era insano. Ela não podia
ficar ali muito tempo. Era parte da natureza, e como parte dela, não conseguia
permanecer longe dela por muito tempo. Elias costumava dizer que esse anseio de
estar perto da floresta vinha de seus ancestrais, os primeiros animaliuns.
Os Primeiros sempre estiveram muito mais conectados com a vida, do que
a comunidade atual. Isso era culpa da civilização. Os humanos comuns tomaram
conta da aldeia e vários conhecimentos foram perdidos ao longo dos anos. Kahli
queria poder descobrir mais um pouco sobre sua vida e os segredos que cercavam
o dom de se comunicar com os seres.
Seres... Ela gostaria de se
comunicar com um ser. O Jacob Black que ela, finalmente, conhecera. Ele era
imponente e incrível, como ouvira falar, mas não poderia ser considerado um exemplo
de educação e cavalheirismo. No entanto, a confusão que vira nos olhos dele a
tocaram de forma... ímpar.
A forma como os lábios dele
formaram um bico, ao longo do caminho de volta para a cidade, foi encantadora.
E o modo como ele tentou mantê-la longe foi idiota e, ao mesmo tempo,
fascinante. Embora, ele quisesse distanciá-la, seu corpo dizia completamente o
contrário. Ele parecia chama-la. E ela estava mais do que pronta para
atende-lo. Como se todo o centro do universo fosse Jacob.
Kahli não sabia o porquê. Não
sabia por que acordara agitada, naquela manhã. Nem por que resolvera ir,
justamente para aquele lado da floresta. Não sabia por que aqueles olhos
castanhos e machucados brilhavam, chamando-a. Não sabia o que causava aquela
ânsia de vê-lo novamente. Só sabia que precisava encontra-lo, nem que fosse de
longe. Apenas para observar como sua expressão ficava incrível quando ele
estava concentrado ou como a cor da sua pele era deliciosa à luz dos raios de
sol. Ela precisava vê-lo, para tirar aqueles olhos da tempestade em que se
encontravam.
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