Batidas violentas na porta,
obrigaram-na a acordar.
Inconscientemente, ela correu
os olhos pelo quarto e, notando a claridade causada pelos raios de sol, parou
na janela. A águia já havia saído.
— Levante, Kahli! Já são quase
sete e trinta! – A voz da mãe atravessou o cômodo, chegando até onde ela
estava.
— Já acordei, mãe.
Um bocejo foi coberto pelas
costas de uma mão, e a outra coçou os olhos. Quase sete e trinta? Franziu o cenho, procurando pelo relógio. Sete e quinze...
— Sete e quinze?! – Jogando as
cobertas para o lado, sem ver que elas, agora, estavam caídas no chão, Kahli
ergueu-se e ajeitou o pijama velho. Os shorts já haviam perdido o elástico há
tempos, mas eram confortáveis e azuis, sua cor favorita. A blusa, conjunto dos
shorts, também estava desbotada e ficava acima do umbigo. Essa era sua roupa de
dormir. Não que fosse tão carente, a ponto de não poder comprar pijamas novos,
mas o fato era que ela gostava daquele. Estava acostumada.
A cômoda, a pouco mais de
cinco passos de distância, logo ficou próxima o bastante para que ela pudesse
abrir as gavetas e procurar o uniforme: calça jeans, blusa cavada e os itens
básicos – calcinha e soutien.
No banheiro, Kahli apenas
lavou o rosto e virou-se de costas para o espelho, tirando a blusa do pijama.
Quando tentava abotoar o fecho do soutien, viu, de relance, uma sombra em seu
ombro esquerdo e, curiosamente, olhou para o reflexo. Uma meia lua negra
começava a se formar ali. Os traços perfeitos pareciam pertencer à sua pele
desde sempre. Nenhuma marca, nenhuma cicatriz. E, observando atentamente, dava
para notar finos traços brancos, em meio ao preto do que parecia ser tinta.
— Mas o que...
Passou a unha pelo desenho,
tentando lembrar se havia dormido por cima de algum adesivo. Não. Aquilo era na
pele, como havia suspeitado. Mas não estava ali no dia anterior... Ignorando a
sensação de mau agouro, ela terminou de se vestir e olhou para o espelho
novamente. A blusa era cavada demais, dava para ver a marca e se sua mãe a
visse, provavelmente teria um ataque. Sem tempo para trocar-se, Kahli puxou uma
jaqueta de couro do cabideiro e colocou-a. Por hora, serviria.
Sibila estava sentada à mesa,
comendo calmamente seu desjejum, quando Kahli apareceu na porta da cozinha, somente
para cumprimenta-la de longe. A garota não escutou a resposta da mãe, e, ajeitando
a mochila nas costas, abriu a porta da frente para enfim sair.
Ela tinha dois minutos para
chegar à escola, a sorte era que morava praticamente na mesma rua que o lugar. Sorte.
Que sorte ela tinha... Desenvolver insônia em seu último dia de licença havia
sido perfeito. Principalmente quando a causa dessa insônia fora um rapaz mal
educado, com um peitoral sarado e olhos castanhos lindos... Lindos, mas
sofredores.
Sacudiu a cabeça, impedindo
que pensamentos inoportunos a assolassem.
Assim que visualizou a escola
correu mais um pouco. Foi o tempo exato de pisar na calçada, para Clarissa, a
“supervisora”, encostar os portões.
— Clary! Espere aí! – Em um
pulo, entrou na escola.
— Kahli! – A senhora
abraçou-a, fazendo a longa trança de cabelos brancos balançar. – Achei que não
viria hoje, por causa do seu sumiço de ontem.
— Eu não sumi, Clary, – sorriu
docemente – só tive que sair do encarceramento ao qual minha mãe me submeteu.
— Sibila quer o seu bem,
querida. Eu sei que ficar longe da natureza, para nós, pode ser difícil, só
que, da próxima vez, avise alguém e não vá sozinha, sim?
— Tudo bem. Eu aprendi.
— Ótimo, agora, vá logo, sua
sala já entrou.
— Certo.
Kahli seguiu pelo caminho
entre o jardim da frente e entrou no corredor repleto de murais coloridos.
Sorriu quando viu seu desenho pregado ali: ela estava embaixo de uma árvore giggante,
sentada sobre rosas amarelas e, deitado em seu colo, havia um lobo marrom
enorme. A arte fora grudada no painel quando ela tinha cinco anos. Em um sonho,
Kahli teve aquela visão, quando acordou, contou para a mãe e esta lhe advertiu,
mandando não falar para ninguém sobre o ocorrido. Ela não falou, só desenhou.
A porta da sala estava aberta
e, no momento em que entrou, um furacão loiro a atacou, quase derrubando-a.
— Tia Kahli! – A garotinha de
olhos verdes a fitou com sincero interesse, enquanto outros baixinhos as
rodeavam.
— Oi, meu amor! Tudo bem? – Kahli
agachou-se e correu os dedos pelos fios enrolados da menina.
— Aham – sacudiu a cabeça
rapidamente. – Senti saudades. – Afirmou enquanto os outros concordavam
avidamente.
— Também senti saudades. –
Sorriu olhando para seus alunos. – Sinto ter ficado longe de vocês, mas agora eu
estou de volta, e pretendo ficar, até não me quererem mais. – Beijou a bochecha
da loirinha, a fazendo rir.
— Sempre vamos querer você,
tia Kahli.
— É mesmo? – Perguntou olhando
doze cabecinhas afirmarem. – Que bom! Também vou querer vocês... Sempre! – Falou
levantando-se e colocando a mochila sobre a mesa.
Kahli parou em frente à classe
e olhou para os rostinhos felizes, ali presentes. Não fazia ideia de porque
dera ouvidos à mãe e tirara licença por quase três meses. Era ridículo. Como se
ficar trancada em casa, a deixasse mais protegida que os outros, que
continuaram a viver suas vidas “normalmente” após o início dos ataques.
Bom, felizmente agora ela
voltara a fazer o que amava. Assim ela teria mais tempo com as crianças e menos
tempo para pensar em bobagens... Bobagens ou Jacob.
— Jacob! – Alguém, o alpha não conseguiu identificar quem,
gritou. Como se ele não pudesse escutar a fala se ela estivesse num volume
normal. – Estamos saindo! Vamos fazer a ronda até as três, depois você e Seth
trocam conosco!
Ele murmurou algo e jogou a
coberta por cima do rosto. Tudo que queria, e precisava, era de mais duas horas
de sono. Será que nem isso lhe era permitido?
— Jacob! – A cabeça de Collin
apareceu na porta. – Você escutou? – A testa franziu-se e ele coçou a barba que
era rala, mas um motivo de orgulho para o jovem.
— Escutei! – Um Jacob,
irritado, levantou-se da cama e deu as costas para o rapaz, indo abrir a janela
para deixar o sol entrar, receber a luz no corpo e todas essas porcarias, já
que não o deixaram dormir...
A testa de Collin, que já
estava franzida, fez uma curva entre as sobrancelhas, enquanto ele coçava os
cabelos curtos em uma expressão clara de curiosidade. O que era aquilo nas
costas de Jacob?
— Cara, você fez outra
tatuagem e se esqueceu de nos avisar?
— O quê? – A surpresa fez o
lobo virar-se envolta do corpo e, assim, enxergar apenas um vulto. – De que
merda você está falando?
— Vem cá.
O mais novo agarrou Jacob pelo
pescoço e levou-o até o banheiro pequeno, que ficou ainda menor quando os dois
homens entraram, e ficaram de frente ao espelho do armário.
— Estou falando disso.
Seguindo a direção em que o
dedo do amigo apontava, Jacob viu uma linha grossa e curva tingida de um preto
que destacava a cor morena da pele e cobria a parte inferior de suas omoplatas.
Estava bem no meio das costas, e tinha alguns traços brancos, uns sobre os
outros.
— Que porcaria é esta? – Jacob
dividiu-se entre olhar o reflexo ou cutucar a marca que aparecera ali
“magicamente”.
— Eu é que vou saber? – Collin
tombou a cabeça para, depois, coloca-la para fora da porta. – Pessoal! Venham
aqui ver uma coisa! – Ele gritou e, para felicidade de Jacob, mais três homens
entraram, deixando o banheiro mais abafado que o de costume.
— O que foi que você fez,
Jacob? – Embry forçou o espaço e parou ao lado do amigo de infância.
— O que eu fiz? – Olhou para o
rosto de Embry que aparecia no reflexo do espelho. – Por que a culpa sempre tem
que ser minha?
— Cara... Eu não sei, mas
alguma coisa você fez pra ter esse casco de barco nas costas. – Soltou um
sorriso maroto.
— Vá à merda! Acha que eu vou
querer um negócio desse grudado na minha pele? – O soco que Jacob deu no
lavatório, trincou o mármore e enviou um sinal de perigo para os outros.
— Calma aí! – Embry colocou as
mãos na frente do corpo, como se isso fosse separá-lo da fúria iminente do lobo
castanho avermelhado.
— Calma?! Como calma? Eu mal
cheguei a esta cidade e já tenho uma onda de problemas que parece aumentar a
cada hora! Querem mesmo que eu fique calmo?!
Os quatro entreolharam-se,
tentando chegar a algum consenso, e, parecendo concordar com uma ideia,
viraram-se para Jacob e falaram:
— Queremos.
Excelente!
Além da marca nas costas,
agora Jacob possuía amigos palhaços. Tinha como ficar melhor?
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