Seth estava assistindo TV. Algo
sobre como mexer a panela corretamente para que o mingau não grudasse no fundo.
Não que receitas o interessassem, mas após o surto do companheiro, na parte da
manhã, ele preferiu distanciar-se e conservar os ossos intactos para um futuro
confronto na ronda. Entretanto, isso não significava que, vez ou outra, sua
atenção não estivesse no rapaz da cozinha.
Fazia algum tempo que Jacob
deixara de usar camisas no dia a dia. Talvez fosse pelo simples motivo de seu
corpo funcionar totalmente ao contrário dos humanos normais. Afinal, se ele
fosse “normal”, estaria em um hospital ou embaixo de, no mínimo, cinco cobertores,
morrendo de frio enquanto seu corpo morria por conta da alta temperatura
interior. Infelizmente, de normal ele nada tinha. Na verdade, Jacob estava
suando de calor desde que vestira a blusa de mangas compridas.
Tudo para esconder a
“tatuagem”.
A última casca de limão foi
arremessada e caiu, com precisão, dentro da lixeira. Cesta.
Sem preocupar-se com o tempo,
Jacob sentou-se à mesa e saboreou calmamente o hambúrguer que havia preparado.
Era o único lanche que ele e os outros tinham a certeza de que ele sabia fazer.
E fazer bem. Comida ele improvisava para não passar fome, mas o hambúrguer era
o seu escape na cozinha. Algo que ele sabia e gostava. Talvez porque houvesse
aprendido com a mãe e fosse uma forma de se mostrar mais próximo dela.
A limonada foi a próxima a ser
degustada. Não estava muito doce, e esse fato, de alguma forma, lembrou-o de
Kahli, do cheiro peculiar que ela tinha. O aroma cítrico sobressaia-se ao doce
presente nela. Não era nada dulcificado como o perfume de Isabella, antes desta
ser transformada. Era... Sedutor.
No próximo instante, ele
encontrava-se fora daquela cozinha e de volta à floresta. Porém, desta vez, não
tinha pássaros ou ruídos que pudessem prender sua atenção em algo que não fosse
Kahli e como ela parecia vir para ele.
O vestido branco que ela usava
moldava-se ao corpo como se houvesse sido confeccionado ali. O tom contrastava
com a pele morena e combinava com as rosas amarelas tocadas por ele, enquanto a
garota avançava. Jacob podia ver a curva dos seios firmes sob o tecido e o modo
como a cintura dela abria-se no quadril, aumentando o desejo dele de percorrer
as mãos por ali e confirmar se a pele dela era, de fato, mais macia que o pano.
As pernas esguias de Kahli andavam em sua direção. Ela seguia em sua direção.
Sem impedimentos. Sem imprinting. Somente os dois.
Entretanto, rapidamente a
visão calma e desejosa foi substituída pelo horror. Num estalo, mãos invisíveis
agarraram-na e a puxaram para longe dele. A distância entre os dois aumentando
mais e mais. Numa vã tentativa de segurar a projeção dela, Jacob sacudiu os
braços na direção dela. Apenas quando o barulho de vidro estilhaçando-se
atravessou a névoa que o separava da realidade, ele pode acordar.
Infelizmente, a sensação de
perda e desespero ainda percorriam seu corpo. Elas estavam ali para provar que
embora sua mente houvesse projetado aquilo, o resto do corpo acreditava ser
real. E a cabeça, a cabeça que acabara de lhe pregar uma senhora peça, tinha
uma dúvida bem plantada. Será que ela
estava segura?
...
Seth, que ainda ocupava-se em
dividir a atenção com a TV e com Jacob, escutou o vidro quebrando-se e em
poucos segundos chegou à cozinha. A visão que teve seria comum – a maioria das
pessoas já quebrou ao menos um copo na vida –, se não fosse a expressão de
Jacob e as mãos dele tremendo sobre o tampo de madeira da mesa.
O suco de limão formou uma
poça escura no chão de madeira, enquanto Jacob permanecia em um estado de
inércia. Por mais que Seth o chamasse, era impossível alcança-lo. Cogitava a
ideia de interromper as últimas horas da ronda e chamar os garotos de volta,
quando Jacob levantou-se num salto e pisou, descalço, sobre os cacos de vidro
espalhados pelo piso. Ele não pareceu incomodar-se com a dor e, assim que ficou
de frente para Seth, carregando um olhar sombrio e um peso a mais nos ombros,
agarrou o pescoço do amigo e aproximou-os.
— Preciso que a vigie.
— Como? – O sangue começava a
misturar-se com a limonada.
— Preciso que cuide da Kahli.
– Seth pensou em rir, gargalhar na verdade, mas a carga sincera e desoladora no
olhar do amigo confirmou que o pedido era real.
— Por quê?
A simples pergunta fez Jacob
questionar se devia ou não contar a verdade. Seth, apesar da idade, era o menos
idiota de todos os amigos. Claro, tinha suas aventuras, afinal, qual garoto de
dezoito anos não fazia algumas estripulias?! Entretanto, era maduro o
suficiente para ajuda-lo a manter a situação em segredo e era um guerreiro
excelente, o que, praticamente, o permitia dormir em paz, se tratando da
segurança “dela”.
— Porque ela é meu imprinting.
O tempo parou nos instantes em
que a nova informação era processada pelo cérebro do mais novo.
Seth tentava compreender como
isso havia acontecido. Quando Jacob a
encontrou na floresta, é claro. E por qual motivo ele não queria revelar o
ocorrido? O nome “Isabella Cullen” dançou em sua mente. A mulher havia
estragado mais que uma amizade. Ela havia detonado a parte de Jacob que
confiava em sentimentos que iam de paixão a amor de verdade.
Não ajuda-lo seria o correto.
Jacob precisava reestruturar seu corpo, conectando-o a alma e ao coração. Isso
começara a acontecer no dia em que ele havia encontrado Kahli, e, Seth
suspeitava que, quanto mais tempo o alpha
passasse com ela, mais rápida essa cura aconteceria. Mas ao julgar pelo modo
como o achara mais cedo, era bem provável que Jacob negasse um encontro
espontâneo com a moça.
Com um áspero suspiro, Seth
olhou para o rosto do homem que ele mais admirava, depois de seu pai. O cansaço
e a melancolia pintavam suas feições. O olhar era infeliz, porém, ele conseguia
enxergar um fundo de esperança. Foi essa esperança escondida que o fez tomar
sua decisão. Se Jacob não conseguia enxergar a felicidade diante de seus olhos,
ele o ajudaria.
— Tudo bem. Eu cuido dela para
você.
— Verdade? – Um sorriso
pequeno, sincero e muito bem disfarçado surgiu no canto dos lábios de Jacob. O
peso, que ele não notara, sendo retirado aos poucos de suas costas.
— Claro! Amigos são para isso,
não? – Segurou o pescoço de Jacob, como o mesmo fazia com ele, e aproximou suas
testas, tocando-as de forma puramente fraternal. – Sorrir, chorar, dar alguns
socos quando necessário e não podemos nos esquecer daquela parte: na alegria e
na tristeza, na saúde e na doença... Sem a morte, é claro, mas adicionando:
“quando um não enxergar, o outro guia”.
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