Segurando uma sacola em uma mão e uma mochila com uma muda
de roupas, na outra, Jacob esperava na porta da casa amarela. Ele esteve
aguardando por aquela parte do dia durante toda a manhã, algo que jamais
imaginou que faria por alguém – nem mesmo Isabella havia ocupado tamanha parte
de seus pensamentos, não igual à Kahli.
Em uma tentativa de focar a mente em outro lugar, começou a
observar a sala simples. O sofá e as poltronas tinham um tom verde vômito que
ele não achou muito bonito e as almofadas amarelas não combinavam. Antes que
começasse a comparar a pintura das paredes com o carpete, Kahli apareceu na
porta, em frente a ele. Usava uma roupa simples e ele pode reparar nas pernas
morenas sem impedimentos. Jacob sorriu quando a viu enrolar uma mecha do cabelo
no dedo. Lembrava-se de quando se viram pela primeira vez e ela havia feito a
mesma coisa. Era contraditório. Kahli era capaz de tomar firmes decisões sem
titubear, mas, no instante seguinte, ela tornava-se inquieta por quase nada.
― Então, vamos almoçar? – Iniciou uma conversa que ele
sentiu tê-la deixado tensa.
― Jacob... – Parou de falar ao pousar os olhos em Selena,
que olhava para a cena a sua frente com a curiosidade inocente de toda criança.
Então, quase envergonhada, andou até a porta e fechou-a, com os dois do lado de
fora.
A distância entre ambos era pequena e ela engoliu em seco ao
percebê-la. Seria ridículo dizer que estar ali, tão perto dele, a fazia
sentir-se boba. Poucas horas antes eles estiveram muito mais próximos, no
entanto, ela não havia parado de pensar que não era só o fato de o coração
bater muito mais forte perto de Jacob que a espantava. Era como todo o seu
corpo parecia pulsar ao lado dele. Como o calor dele simplesmente passava para
ela e a esquentava tanto que começava a parecer que passara toda a vida presa
em uma geleira e não se dera conta disso até o momento em que se conheceram.
― Temos que adiar – contou de uma vez e com pesar. E, ao
contrário do que imaginava, Jacob sorriu. Deu um daqueles sorrisos imensos e
que te levam...
― Está sorrindo assim por quê? – Franziu o cenho e o viu
colocar a mochila nos ombros.
― Porque precisamos mesmo nos conhecer mais. Assim você vai
saber que eu não desisto facilmente.
― Isso é ótimo, mas não vou ter um encontro com alguém
enquanto cuido da minha afilhada.
― Me magoa saber que você me chama de alguém. – A mão livre
parou na cintura de Kahli e ela, instintivamente, segurou o braço que vinha com
a mão, e foi subindo.
― Jacob, por mais que eu queira sair com você, conversar, te
conhecer mais, não dá pra fazer isso com a Selena aqui. – A expressão séria
retornou. – Não é certo. E você viu como ela ficou agora a pouco.
― Nem com a permissão da mãe dela? – A “carta na manga” de
Jacob deixou a moça sem fala.
― Samantha.
― Sua amiga me contou que cuidaria da Selena e me deu
permissão para vir cortejá-la. – A entonação que ele deu na última palavra fez
Kahli soltar uma risada de alívio e incredulidade.
― Acho que eu deveria ter esperado por algo assim.
― Sim, deveria. – O aperto na cintura ficou mais forte e ela
prestou atenção no brilho encantado presente nos orbes castanhos de Jacob. –
Então, já que resolvemos esse impasse, eu posso cumprimentar meu encontro
adequadamente?
― E como ser...
Sem deixá-la terminar a frase, ele jogou as sacolas no chão
e a ergueu do chão em um abraço apertado.
Jacob encaixou a cabeça no pescoço de Kahli e ficou ali por
um bom tempo, apenas inspirando o cheiro dela e sentindo e ouvindo o coração
dela bater bem perto do seu.
O alpha não dava a
mínima se tudo aquilo era obra do imprinting
ou se apenas estava se apaixonando por aquela morena linda. Ele se sentia bem e
foi melhor ainda quando ela se agarrou a ele com a mesma necessidade e com a
mesma força. Os dedos finos começaram um caminho sem muito sentido por suas
costas e nuca, em uma carícia que ele começava a descobrir que amava.
― Quis fazer isso desde que te deixei esta manhã –
confessou, ainda sem largá-la.
― Da próxima vez, - Kahli moveu o rosto para ficarem frente
a frente – não espere tanto.
...
A cozinha estava arrumada, – Jacob havia limpado tudo – e,
para rematar, Selena se encantara por completo pelo homem. Claro, não havia
como alguém, principalmente se fosse mulher, não gostar dele! Era impossível
fazê-lo. Kahli sabia disso e, se houvesse alguma mulher no mundo capaz de negar
alguma coisa a ele ou rejeitá-lo, com certeza ela não era normal.
Depois do almoço pouco convencional – pão com salsicha como
prato principal e marshmellow de sobremesa não eram exatamente o almoço ideal
que Samantha indicava para a amiga e para a filha -, o alpha passara a dividir as atenções entre Selena e Kahli. Ele se
saíra deveras bem e conseguira juntar informações bastante importantes sobre
sua imprinting, assim como Kahli
passara a saber muito mais coisas sobre Jacob com aquele “encontro”. No fim das
contas, não havia sido tão estranho quanto ela imaginara.
― Posso assistir desenho? – Passava das duas da tarde, e
Selena começava a ficar um pouco entediada com os olhares e sorrisos trocados
entre sua madrinha e seu mais novo tio. Ela havia herdado o tato da mãe e, por
isso, resolveu deixá-los sozinhos. Funcionou.
Kahli voltou para o quintal lentamente, deixara Selena
deitada no sofá da sala, distraída o suficiente com uma animação qualquer, e
aproveitara esse momento de distância para admirar Jacob. Ele tinha a expressão mais bonita que ela já
vira na vida. As sobrancelhas grossas e escuras moldavam um olhar concentrado e
que parecia estar apreciando-a tanto quanto ela o apreciava. O mesmo olhar que
a fizera sentir-se segura em uma situação que exigia exatamente o contrário. O
mesmo olhar, só que em um corpo diferente.
― Como é? – Perguntou ao sentar-se novamente ao lado do
homem.
― O quê?
― É uma pergunta invasiva... – ponderou se deveria ou não
continuar. – Quando você se transforma, como é? O que você sente?
Confusão. Foi isso que a pergunta causou.
Ela era sim invasiva, mas por motivos opostos ao óbvio. Por
que nunca lhe perguntaram aquilo? Talvez porque todas as pessoas de importância
já soubessem. Ou porque não era importante para alguém.
Jacob se sentiu triste e feliz com a última. Triste porque
era infeliz não ser importante para uma pessoa. Feliz porque inflava seu peito
saber que era importante para Kahli. Ela não dissera com essas palavras, mas
ele sabia. Por essa razão, respondeu:
― Eu me sinto vulnerável.
― Como isso é possível? – Contrapôs, intrigada pela resposta
inesperada.
― Eu tenho meus pensamentos expostos para os meus Irmãos, -
avaliou, pensando que seria bom começar por essa parte – mas isso é algo que me
incomodou apenas no início. Hoje, eu sinto como se todos os meus sentimentos
saíssem do controle e eu os tivesse me circundando. As sensações aumentam,
minha percepção do mundo se modifica – admitiu olhando fixo para frente.
Parecia calmo, entretanto, as mãos apertando o tronco em que estavam sentados
mostravam o contrário. – É como se eu fizesse parte não só de um só mundo, mas
de vários. Vários mundos, com várias vidas que dependem de mim. – Fez uma pausa
ao sentir a mão de Kahli cobrindo a sua. Apoio traduzido em um simples ato. – É
mais fácil ser atacado não fisicamente, mas mentalmente. Mesmo assim, eu sinto
que, se tiver o controle entre minha humanidade e o Espírito, eu posso dominar
tudo isso. A vulnerabilidade continua, mas é como se tudo, no fim, dependesse
apenas de mim.
― Depende de como você encara o poder que foi colocado em
suas mãos – a professora afirmou com uma convicção invejável. E, como que para
salientar, tomou a mão dele entre as suas, uma palma de encontro à outra. –
Quanto maior o poder, maior a responsabilidade que ele exige – sorriu parecendo
contar um segredo.
E, sem perceber, Jacob viu o verdadeiro poder de Kahli.
Vida.
Ele sentia a vida correndo por todo aquele espaço. E ela
tinha cor, a mesma cor que o céu possuía no pôr do sol, um rosa mesclado ao
laranja. E tinha forma, nuvens rosé iluminavam tudo que tocavam e vinham de
todos os lugares. Assim como os pássaros que começaram a empoleirar-se nas
árvores ao redor do jardim, cantarolando a mesma canção que ela dançava no
momento em que se conheceram.
Ao olhar para os olhos de Kahli, o alpha compreendeu que aquele precipício que ele tanto ansiava por
pular não era negro, era infinito.
― Você, Jacob, protege a vida que eu ajudo a criar. – E,
erguendo a mão que estava sobre a dele, Kahli revelou uma esfera de brilho
límpido e puro. – Você não precisa encontrar o ponto de equilíbrio, já fez isso
há muito tempo.
Hipnotizado pelos anéis que rodeavam a esfera, o transformo pegou-se
encantado por sua imprinting.
― Você e o Espírito são um só. O Lobo Guerreiro e o homem em
uma só alma. E esta, - disse apontando para a forma na palma de Jacob – é a sua
alma. Nós, os animali, não nos
comunicamos com os animais. Essa é apenas a forma simples de explicar que
enxergamos as almas dos seres vivos, animais, e, por isso, conseguimos entender
a linguagem que cada espécie usa e nos conectarmos com eles através do corpo e
da mente – completou. – Eu vi você, Jake. – A pronúncia de seu apelido pelos
lábios dela provocou um reboliço no interior de seu peito. – E você tem a alma
mais bonita que meus olhos já vislumbraram.
Foi essa declaração que fez Jacob, esquecer-se da pequena
luz e tomar o rosto de Kahli entre suas mãos.
Naquele momento, a trilha sonora de sua vida tocava. Uma
música que fazia seus corações baterem no mesmo ritmo, em uma sincronia
perfeita. Perfeito. Perfeito para que o alpha
mostrasse que não existia medo de um futuro desconhecido ou receio por um
passado conturbado.
Os olhos da moça faiscavam e, quando os lábios dele tocaram
o dela com um misto de doçura e firmeza, tudo se encaixou. O tempo parou e
Kahli não sentiu borboletas no estômago ou fogos de artifício explodindo no
céu. Ela sentiu poder. Um poder real e palpável que Jacob possuía e
compartilhava com ela.
Não era necessário nomear ou estudar aquele momento, então
eles apreciaram. Apreciaram a sensação de estarem nos braços um do outro.
Apreciaram o sabor delicioso que cada um tinha. Compreenderam que apenas um
beijo nunca seria suficiente. E almejaram mais. Muito mais do desejo, do
carinho e da alegria. Mais da magia que, não importando a nomeação, os
acompanharia pelo resto de suas vidas.
― Eu sabia. – Jacob falou em um sorriso, separando-se
minimamente de Kahli, apenas o suficiente para que pudesse mirar as íris que
ele adorava. – Tentei ignorar, mas no fundo eu sempre soube.
― O que você sempre soube? – Perguntou ainda sob o efeito
dos lábios de Jacob.
― Você tem algo que eu preciso. – A perfeita expressão de
conhecimento se formou no rosto do homem.
― E o que é?
― Você. Você, Kahli Pryde.
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